Abril de 1995, ano que ficou marcado para a polícia paranaense, principalmente para quem esteve na linha de frente do maior sequestro da história do Estado do Paraná. Mais de 120 horas de negociações, dezenas de policiais envolvidos, estratégias montadas e um desfecho de tirar o fôlego. Em uma reportagem especial da ADEPOL-PR, os principais protagonistas da ação, contam como foi o trabalho policial durante o sequestro.
Por: ADEPOL-PR
Tudo aconteceu na pequena cidade de Marechal Cândido Rondon, que fica localizada na parte oeste do estado do Paraná, a cerca de 700 km de distância da capital do estado (Curitiba). Na tarde de 24 de abril, por volta das 16 horas, três homens armados com revólveres e espingardas calibre 12, invadiram uma residência, tomando o empresário Roni Martins, sua família, seu assessor, e os empregados da casa como reféns. Até então, vizinhos não suspeitavam de nada, afinal, era um dia normal na pacata rua e a família Martins sempre recebia visitas. Na manhã do dia seguinte da invasão, ainda sem ninguém perceber, enquanto as mulheres e as crianças permaneceram no interior da residência sob o olhar dos criminosos, o empresário e seu assessor foram liberados para buscar o resgate de quinhentos mil dólares.
Já na agência bancária, Martins estava muito nervoso, inquieto e acabou por confessar que ele e a família estavam sendo vítimas de um sequestro, fato que fez intrigar os funcionários do banco que alertaram a polícia local. A comarca de Marechal pertencia a subdivisão de Foz do Iguaçu, onde Dr. João Ricardo Képes Noronha era chefe. Por volta do meio dia, Dr. Noronha recebeu a ligação do Delegado Chefe da 20 ª SDP da cidade de Toledo, Dr. Lino Lopes, informando que os delegados locais o avisaram sobre um sequestro em andamento e que as equipes precisariam de reforço. “Rapidamente reunimos os melhores policiais de Foz e seguimos para o local da ocorrência. Chegando lá, já no fim da tarde, foi verificado que o Delegado local, Dr. Carlos Reis, já havia feito um cerco na casa. O primeiro contato com os sequestradores, também foi feito por Dr Carlos. “Pulamos o muro e conversei com um deles pela janela de metal. Percebi um sotaque gaúcho e muita calma como ele falava. Alguns policiais me diziam: são ladrões de galinha, vamos entrar. Pela voz fria e tranquila de um dos sequestradores que conversei, percebi que não eram amadores.” completa, confirmando sua intuição de que além de criminosos, os homens eram profissionais do crime.
Ainda no primeiro contato, foi verificado que na casa havia quatro mulheres e três crianças. Dr. Julio Reis, (irmão do Delegado Carlos Reis) era delegado na cidade vizinha de Terra Roxa e foi contatado para também ajudar na ação.”Em Terra Roxa tínhamos uma equipe pequena de Policiais Civis, mas mesmo assim, deixamos apenas um policial no plantão na minha cidade e fomos todos para Marechal Rondon. Lá, começaram a nos passar as primeiras informações sobre o crime e com o passar do tempo fomos nos certificando que se tratava realmente de uma quadrilha especializada em sequestro de grandes empresários”. Dr Carlos e Dr.Júlio, além de começarem a articular as negociações foram também os responsáveis, junto com a Polícia Militar, em isolar todo o local, tendo em vista a grande movimentação da imprensa e curiosos. Como o caso tomou grande proporção, e já com o chefe da subdivisão no local, foi solicitado ao Delegado Geral do Paraná, Dr Toleb Baleche Barbosa, o reforço do TIGRE, que tinha como base principal a cidade de Curitiba. Na época, Dr Artur Braga era o Delegado responsável pelo Tático Integrado de Grupos de Repressão Especial – TIGRE. Segundo Dr Braga, a ida ao local do sequestro foi imediata. “Logo no primeiro contato, vimos que o chamado era de extrema importância, nós precisávamos agir logo. Reuni a equipe operacional, tática e de investigadores (Gilmar Silva, Maurício Valeixo, Suzaki, Castanheira, Sérgio, Kamil, Hugo, Catapan, Bitencourt, Gracia, Edward e Márcia Tavares), dividimos tarefas entre a central e o operacional e nos dirigimos para Marechal.” conta Dr. Braga.
Já na cidade, a equipe policial de negociação que estava liderada por Dr. Noronha, mantinha constante contato com os criminosos. Dr. Carlos e Dr. Júlio Reis lembram que apenas um médico conseguia entrar dentro da casa. “O ‘acerto’ do médico entrar na residência era justamente para verificar as condições de saúde dos reféns, mas também, instruído pelos policiais, levantar dados da casa, como qual cômodo ficavam, quantas pessoas estavam no local, qual a cor da roupa de cada criminoso entre outros detalhes”.
Com a chegada do TIGRE, foi levantado a identidade de cada um dos criminosos. A identificação teve a ajuda de Delegados dos Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, que prontamente prestaram apoio, afirmando que pelo tom de voz, sotaque e modo de agir, eles já haviam realizado crimes em várias cidades do sul do país. Não restava mais dúvidas, se tratava dos irmãos Beltramin, fugitivos da penitenciária de segurança máxima de Florianópolis. O sequestro já durava mais de 50 horas, Dr. Lino Lopes ficou encumbido de realizar as articulações com o Ministério Público. “Não tínhamos muitos insumos, precisávamos de algumas liberações legais, e não podíamos colocar a vida dos reféns em risco. Conversamos muito com Delegados, Juízes, promotores e tivemos o apoio de todas as forças de segurança”. Ali começaria a articulação de negociação e uma possível invasão.
Dr. Noronha lembra que após a identificação dos criminosos, imediatamente foi convidado um advogado para que pudesse ajudar na negociação, oferecendo seus serviços a fim de ajustar um diálogo e possível libertação das vítimas, porém, em primeiro momento, sem sucesso. Em um processo de intensa investigação da vida pregressa dos criminosos, a Polícia conseguiu localizar a namorada deles, que residia em Porto Alegre. “A trouxemos de avião para ajudar na negociação. No momento nós precisávamos criar uma pressão psicológica. Os criminosos estavam na residência com armamento pesado e o risco de execução dos reféns era real. Começamos a desenhar um mapa da casa, fizemos uma maquete com os cômodos em tamanho real, contatamos os bombeiros, realizamos uma cronometragem de quanto tempo demoraríamos para invadir a casa e chegar até onde estavam os criminosos e os reféns.” Os policiais tentaram conhecer as verdadeiras necessidades dos assaltantes, através de microfones colocados dentro da casa e da entrada do médico da família no local, somando mais poder à força policial.
A tática de inquietação serviu como poder de persistência aos policiais, que tentavam manter os assaltantes em constante pressão emocional, vencendo-os pouco a pouco pelo cansaço. Os assaltantes superestimaram seu poder de moralidade, utilizando-se de falta de generosidade para obter concessões. Isto pode ser observado quando reféns e os próprios assaltantes divulgavam maus-tratos e torturas cometidos contra os reféns e, principalmente, com a ameaça de matar o bebê. Estas informações foram importantes para a polícia mudar sua posição quanto aos assaltantes, visto que anteriormente só admitia a rendição dos mesmos, sem qualquer hipótese de negociação.
Após cinco dias do início do sequestro, com os criminosos cansados, a polícia começou a colocar o planejamento de resgate em ação. O médico, único que entrava na casa, passou um recado discretamente para uma das mulheres, pedindo para que os reféns usassem uma camiseta branca, para que na hora da invasão, mesmo no escuro, os policiais pudessem entender quem era refém e quem era criminoso. Dr. Noronha estava convicto que eles não iriam se entregar e o risco estava muito alto, tanto para os reféns quanto para a polícia. “Tudo estava calculado, sabíamos de todos os riscos que estávamos correndo, mas tínhamos absoluta convicção do sucesso”.
Às 6h45 da manhã do 5º dia, a polícia deu início a invasão para o resgate dos reféns. Cada delegado, coronel, capitães que lá estavam, cuidavam de uma estratégia. Um carro forte (exigência dos criminosos) que estava estacionado em frente à casa do empresário foi retirado e quatro ambulâncias foram posicionadas no portão. Na invasão, os policiais, incluindo profissionais do TIGRE que fizeram a frente, arrombaram a porta de entrada da casa e, em seguida, já no corredor iniciou-se uma intensa troca de tiros, bombas de luz e gás lacrimogêneo foram utilizadas. Os três criminosos acabaram sendo alvejados por policiais e morreram no local e apenas uma das vítimas foi baleada, no momento em que se jogou em cima da criança de 9 meses em forma de proteção, mas o ferimento foi sem gravidade. Menos de dez minutos após a invasão, os reféns foram colocados em ambulâncias e encaminhados ao hospital local para atendimento. O Secretário de Segurança do Paraná, Dr. Cândido, esteve presente no local acompanhando a articulação, negociação e a invasão que teve seu desfecho de uma forma excepcional, mesmo com a morte dos criminosos, algo inevitável já que os policiais foram recebidos a tiros. O caso passou ao vivo para todo o Brasil através de diversos veículos de imprensa que lá estavam. Entrevistas, abraços, gritos de euforia por parte das equipes policiais puderam ser observados. Assim, encerrava-se, em um desfecho de extremo sucesso, o maior sequestro do Paraná.
O caso e seu desfecho ficou conhecido em todo o mundo, com ampla divulgação da imprensa, inclusive foi catalogado pelo FBI como um dos casos de maior sucesso do mundo. Os delegados que lá estavam, receberam uma medalha de bravura pelo episódio. “Na época com pouquíssima experiência ainda na carreira, ajudei, mas fiquei observando muito as decisões tomadas pelo Dr Noronha e pelo Dr Carlos Reis que estavam mais a frente de toda a situação. Aprendi muito!”, conta o Delegado Dr. Júlio, afirmando que o caso foi um dos mais relevantes de sua carreira.
Dr. Maurício Valeixo e Gilmar Silva, que na época eram Delegados operacionais do TIGRE, enfatizam que mesmo sem uma ampla experiência em negociações e invasões de episódios de sequestros, o caso foi um divisor de águas para a polícia civil, fortalecendo ainda mais todos os departamentos, inclusive o TIGRE. ”Quando as instituições trabalham de forma integrada, a resposta diante de quadros atípicos e graves é sempre a melhor possível para a sociedade”, afirma Valeixo.
Ainda durante o desenrolar do sequestro, o Governador do Paraná, na época Jaime Lerner, havia proibido a invasão da casa, porém, o Secretário de Segurança foi muito corajoso e autorizou a ação. “Muitos detalhes ocorreram naqueles dias de intenso trabalho, ficamos inclusive sem o apoio de alguns policiais militares que acharam que a ação seria muito arriscada. Mas, em nenhum momento desistimos da nossa estratégia, o que resultou no êxito da ação”. Dr Noronha lembra ainda que na volta para casa, após seis dias sem dormir, o comandante do avião que ele estava anunciou a todos passageiros que naquela aeronave estava um dos delegados que ajudou na negociação do sequestro. “Naquela ocasião fui agraciado com uma forte salva de palmas e pude viajar na cabine de comando com os pilotos.” fato este que o emociona até hoje. Para Dr. Artur Braga, Delegado do TIGRE, a ação demonstrou que policiais de forças especiais, mesmo sem o investimento da época, estavam preparados para realizar ações de grande risco. “Após o sequestro, por muito tempo ficamos lembrados como heróis, parte da equipe operacional inclusive chegou a viajar para os Estados Unidos, para fazer um curso oferecido pela SWAT, que é referência em casos de grande relevância”.
Os Doutores Liusson’nar Lino Lopes, Dr. Carlos Reis e Dr. Júlio Reis afirmam que a Polícia Civil foi vista com outros olhos após o sequestro. Uma série de investimentos como cursos, viaturas, armamentos e aparatos policiais começaram a chegar, para que hoje, a Polícia Civil do Paraná se tornasse uma das mais equipadas do Brasil. Dr. Noronha, também agradece a todos que participaram na linha de frente, o Secretário Cândido Manoel de Oliveira, o Delegado Geral Dr. Toleb Baleche Barbosa, os Delegados Dr. Luiz Fernando Artigas Pai e Filho, Dr Mario, Dr Luiz Gilmar da Silva e tantos outros delegados que lá estavam, além claro, dos comandos da Polícia Militar e de todas as forças de Segurança que deram o suporte necessário em toda a ação.
Dr. Daniel Prestes Fagundes, Presidente da ADEPOL-PR parabeniza a todos Delegados e Policiais envolvidos na ação. Mesmo com os percalços e dificuldades da época, desempenharam um trabalho excepcional mostrando a qualidade da Polícia Civil em estratégias que envolvem raciocínio, lógica e tática.
CONFIRA ABAIXO COMO FOI A OPERAÇÃO QUE LEVOU AO ÊXITO NA INVASÃO DA CASA PARA RESGATE DAS VÍTIMAS. AS IMAGENS SÃO DA TV GLOBO:
Você, Delegado de Polícia, tem uma história de relevância para contar? Faça contato com a ADEPOL-PR. O objetivo do #TBT é sempre relembrar momentos antigos e recentes que obtiveram êxito na polícia paranaense na pessoa de seus representantes, Delegados de Polícia de carreira do Estado do Paraná.