Dr. Felipe Gonçalves Martins – JUSBRASIL
Em 20 de abril de 2023 foi publicada e entrou em vigor a Lei 14550/2023 que fez alterações na lei Maria da Penha após aprovação de projeto de lei apresentado pela então Senadora Simone Tebet.
Importante destacar o último parágrafo da justificativa para apresentação do então projeto de lei 1604/2022:
“A fim de corrigir as brechas pelas quais se dão os desvios interpretativos da jurisprudência que atentam contra o espírito da Lei Maria da Penha, promovendo o desamparo, em vez de assegurar às mulheres proteção contra a violência, solicitamos a aprovação deste projeto e esperamos contar com o apoio de todo o conjunto de Congressistas para a rápida conversão desta iniciativa em norma legal”.
A referida lei acrescentou três parágrafos ao artigo 19 e inseriu o artigo 40-A trazendo principalmente a consolidação de determinada interpretação a ser dada e visa dar mais proteção e assistência à mulher.
A alteração vai de encontro a determinados entendimentos emanados pelos Tribunais Superiores e demais tribunais que exigiam determinados “requisitos” não previsos em lei como a necessidade da existência de inquérito instaurado, boletim de ocorrência registrado para a concessão de medidas protetivas, inquirição da vulnerabilidade ou não da vítima, condições econômicas entre outros para aplicação dos dispositivos da Lei 11340/2006 o que esvaziava o sentido original pretendido.
Neste contexto foram inseridos os seguintes parágrafos ao artigo 19 da Lei 11340/2006:
“Art. 19. ……………………………………………………………………………………….
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§ 4º As medidas protetivas de urgência serão concedidas em juízo de cognição sumária a partir do depoimento da ofendida perante a autoridade policial ou da apresentação de suas alegações escritas e poderão ser indeferidas no caso de avaliação pela autoridade de inexistência de risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da ofendida ou de seus dependentes.
§ 5º As medidas protetivas de urgência serão concedidas independentemente da tipificação penal da violência, do ajuizamento de ação penal ou cível, da existência de inquérito policial ou do registro de boletim de ocorrência.
§ 6º As medidas protetivas de urgência vigorarão enquanto persistir risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da ofendida ou de seus dependentes.” (NR)
O §4° indica que a concessão da medida protetiva não depende de que sejam realizadas diligências preliminares, tampouco da juntada de outros elementos para a concessão, o que nunca a lei exigiu.
A apreciação do pedido ocorre em cognição sumária e diante do caráter de urgência, na maioria das ocasiões, temos as declarações da vítima com o pedido da medida, o que se justifica dada a situação.
Não se pode exigir por exemplo que em determinado fato ocorrido às 3h da manhã onde o autor do fato fugiu após o acionamento da polícia e a vítima informa que foi ameaçada exigir que seja produzido mais qualquer outro elemento informativo antes de encaminhar o pedido de medida protetiva.
A medida protetiva surgiu e tem como objetivo salvaguardar os interesses da ofendida, sua integridade física e psicológica.
Sendo assim, com o dispositivo em comento também inverte a análise do risco, ou seja, o magistrado (a) ao analisar o pedido deve indeferi-lo caso demonstre a inexistência de risco à ofendida e não o contrário.
Em relação a concessão das medidas protetivas de urgência dispõe o novo §5° que serão concedidas independente da existência de inquérito policial instaurado, da existência de boletim de ocorrência, de processo ou da tipificação penal da violência.
Neste ponto traz importante previsão de que a medida pode e deve ser concedida sem qualquer exigência.
No caso do dia a dia da delegacia de polícia quando a vítima chega ao local é atendida e diante da manifestação do desejo de solicitar medida protetiva é lavrado o respectivo boletim de ocorrência e reduzida as declarações a termo com o encaminhamento do expediente de forma imediata ao Poder Judiciário.
Entretanto, a vítima em casos de infrações penais que exigem representação pode optar por não ter interesse em representar, mas interesse em solicitar a medida protetiva que será encaminhada e deve ser analisada independente de sequer ser instaurado o respectivo inquérito policial.
Neste sentido o STJ tem posicionamento publicado na edição n° 205 da Jurisprudência em Teses com a seguinte redação:
“As medidas protetivas impostas pela prática de violência doméstica e familiar contra a mulher possuem natureza satisfativa, motivo pelo qual podem ser pleiteadas de forma autônoma, independentemente da existência de outras ações judiciais”.
Mais uma medida adotada que visa a proteção e assistência da vítima e tem o intuito de afastar qualquer exigência que a lei nunca trouxe para análise do pedido.
Muito comum na prática que medidas protetivas fossem concedidas com prazo de 60 a 90 dias e outras com prazo indeterminado, o que suscitou divergências e críticas.
No caso do prazo indeterminado as críticas eram de que as medidas não poderiam ter caráter perpétuo.
Em relação ao prazo determinado a crítica era justamente de que o risco que a mulher era submetida não poderia ser mensurada e ter prazo determinado.
O advento do dispositivo traz o “não” prazo e a condicionante de que a extinção da medida se dará apenas quando não houver mais risco à integridade da mulher.
Caminhamos para a inovação trazida com a introdução do artigo 40-A com a seguinte redação:
“Art. 40-A. Esta Lei será aplicada a todas as situações previstas no seu art. 5º, independentemente da causa ou da motivação dos atos de violência e da condição do ofensor ou da ofendida.”
Aqui vão residir diversos debates diante da redação do dispositivo para definir se estamos diante de uma presunção absoluta que a violência é de gênero quando cometida no ambiente doméstico e familiar ou no âmbito de relação íntima de afeto contra a mulher.
Defendemos que diante do advento deste dispositivo a intenção do legislador foi de afastar determinadas interpretações restritivas que exigiam a verificação da motivação de gênero em relação à violência praticada.
CONCLUSÃO
Feitas estas considerações, estas foram as modificações promovidas pela Lei 14.550/2023 e que tem o claro intuito de proteção e assistência à mulher, além de afastar determinadas interpretações na aplicação da lei.
Esperamos que no futuro não muito distante não ocorra mais a necessidade de termos a Lei Maria da Penha em vigor e que a histórica e lamentável violência contra mulher seja superada, assim como não tenhamos mais taxas de feminicídios e outros tipos de violência contra a mulher que ostentamos vergonhosamente nos dias atuais.